Monday, August 30, 2010

O menino que amava uma porca

Umbigo encontrou Titica quando tinha sete anos de idade. A porca guinxava feito louca porque tinha se perdido da mãe no meio do lixão. Quando o menino tentou pegar a porca, ela tentou fugir com todas as forças. O menino era persistente, então conseguiu arranjar um filete de plástico no lixão e amarrou-o no pescoço do bicho.

No caminho até em casa foi arrastando o animal, que não queria ir de jeito nenhum. Umbigo chegou em casa e amarrou a porca do lado de fora do barraco, antes de ir correndo para dentro falar com a mãe. Queria muito o porco. Levou a mãe para vê-lo. Ela levantou aquele corpo grande de porco junto com outro filho pendurado no peito.

Quando viu o animal, que tentava se livrar da corda improvisada por Umbigo, a mãe debochou:

- Minino, isso ai é mulé. É porca!

Umbigo ficou olhando o bicho. Tentava descobrir como a mãe sabia que era fêmea só de olhar. Pensou que se a porca era fêmea e tinha sido achada no lixo, seu nome seria “Titica”. A mãe voltou a falar:

- Pode ficar, mas você arranja comida para essa porca. Não vai tirar nada aqui de casa.

O menino apenas balançou a cabeça, saindo correndo em seguida. Estava ansioso para conseguir comida para seu bicho. Tentou o dia inteiro conseguir restos de comida para a porca, porém Umbigo nem percebeu que ele mesmo não tinha comido o dia todo. Quando finalmente conseguiu restos em um bar sujo, salivou ao sentir o cheiro dos restos de comida. Com a sacola na mão, Umbigo se segurou até chegar ao barraco.

Titica tinha desistido de tentar fugir. Estava dormindo, pegando o sol do fim da tarde. Quando Umbigo chegou ao seu lado, ela se levantou de um pulo. Começou a colocar o focinho na sacola de comida, sacola que o menino prontamente abriu para que o bicho pudesse se alimentar. Umbigo tentou achar um lugar na sacola para sua própria mão, mas no final, a porca tinha comido quase tudo e deixado o menino com fome. Ele nem se importou, estava feliz com seu primeiro bicho de estimação.

Assim que obteve confiança em Titica, Umbigo soltou a porca. Titica agora acompanhava Umbigo até o lixão. Acostumada com os restos de comida, a porca não comia do lixo, mas esperava pacientemente até que o menino conseguisse alimento.

Na véspera de natal, voltou feliz para casa. Tinha conseguido muita comida para Titica. Quando chegou em casa, sua mãe gritava com o pai. O pai de Umbigo tinha sido demitido. Não haveria o gostoso frango da mãe no Natal. Os irmãos e irmãs de Umbigo apenas observavam, encolhidos em um canto.

Umbigo viu o rosto do pai. Estava inchado pela bebida e pelo choro. O menino então pediu para a mãe, com o coração apertado:

- Mãe, vamos comer a Titica. Ela é a nossa janta de Natal.

Na ceia, Umbigo comeu apenas arroz. Deixou a companheira para a família. Achou que seria deslealdade demais comer de sua amiga.

Monday, August 23, 2010

Santa Moreninha e Mulata Danadinha

Moreninha era a segunda filha de dez irmãos. A quantidade de irmãos, a pobreza e o excesso de trabalho dos pais fizeram com que Moreninha e seus irmãos passassem muito tempo na rua. Este fato não foi um problema para Moreninha, que já nasceu santa. Sua mãe contava que Moreninha nasceu com uma marca de cruz no peito, mas que sumiu misteriosamente depois.

Os irmãos de Moreninha eram o oposto: pelo menos três se perderam na vida. Maneco, o terceiro irmão, se perdeu nas drogas. Maciel, o quinto irmão, morreu com um choque enquanto surfava em um trem. Mirtes, a sexta irmã, fugiu de casa aos 14 anos com um homem casado. Os irmãos restantes de Moreninha sobreviveram, porém em um marasmo de preguiça e desordem.

A vida bem que tentou desencaminhar Moreninha através da irmã mais velha, Mulata. Por ser a irmã mais velha e levando-se em consideração a falta da presença dos pais, Mulata era alguém a ser seguida. Assim Moreninha amava Mulata com adoração, mais do que todos os irmãos e irmãs que tinha. O problema era a índole de Mulata, que influenciou Moreninha nos únicos pecados que cometeu em vida.

O primeiro e último cigarro que Moreninha experimentou foi oferecido por sua irmã Mulata. As duas estavam no colégio e foram correndo para o banheiro, rindo de alguma coisa. As duas se trancaram em um dos compartimentos do banheiro, e quando Mulata tirou um cigarro do sutiã e acendeu, Moreninha arregalou o olho, mas não falou nada. Mulata disse:

- Pega!

Como Moreninha não pegava, Mulata insistiu mais. Finalmente Moreninha pegou o cigarro e tragou. Tossiu tanto que nem conseguiu ouvir a irmã rindo.

Fisicamente as duas irmãs eram bem diferentes. Enquanto Moreninha era muito magra, Mulata era encorpada e com muitas curvas. Assim Mulata sempre chamou mais a atenção dos homens que a irmã. Mulata bem que tentou arranjar namorados para Moreninha, porém os homens associavam Moreninha com a Sagrada Mãe, então nunca dava certo.

A união das duas irmãs era muito grande. Quando Mulata arranjava confusão, colocava Moreninha para brigar por ela. As inimigas de Mulata sempre as provocavam antes das brigas:

- Lá vem Santa Moreninha e Mulata Danadinha.

A separação entre as irmãs aconteceu quando Mulata fez 18 anos e conheceu um homem mais velho. Casaram-se depois de apenas seis meses de namoro. Entretanto, o homem mais velho não conseguia consumar o casamento. E quanto mais o homem mais velho tentava, mais nervoso ficava. Um dia, após uma nova tentativa de consumar o casamento, ele bateu muito em Mulata. Desde então Mulata parou de visitar a família.

Dois meses depois, Moreninha resolveu visitar a irmã. Foi caminhando até a casa de Mulata - como era longe, chegou de noite. Na frente do muro já era possível ouvir os gritos de Mulata vindos do lado de dentro. Moreninha não hesitou quando entrou na casa. Bateu na porta até ser atendida pelo marido de Mulata. Moreninha soube que iria morrer. Morrer como uma santa. Apanhou enquanto a irmã fugia da casa.

O marido de Mulata foi preso pela morte de Moreninha. Mulata, porém, continuou se envolvendo com homens cada vez piores, nunca parando para pensar na morte de Moreninha. Muito tempo depois, Mulata foi ao cemitério para enterrar seu quarto companheiro. Enquanto saia de lá parou em frente à lápide da irmã, sem perceber. Pela primeira vez pensou realmente na morte da irmã. Chorou muito. Assim que parou de chorar, declarou:

- Tenho tanta coisa a dizer, mas não sei como começar.

Mulata apenas voltou a chorar e não falou mais nada.

Monday, August 16, 2010

A gorda

    Em uma cidade qualquer, nem grande e nem pequena, da qual eu não me recordo o nome, existia uma rua residencial com prédios de até quatro andares e algumas casas. Esta rua era bem arborizada e agradável.

   Há alguns anos, mudou-se para lá uma mãe com sua filha. Elas mudaram-se para o único prédio de três andares da rua. Devido ao barulho anormal para um sábado, alguns moradores do prédio de três andares foram ver a mudança e aproveitaram para cumprimentar as novas vizinhas. A mãe era uma mulher normal e com cara de mãe. Era bem extrovertida e falou com todos os vizinhos que apareceram. A criança, no entanto, falava nada e não respondia às perguntas que lhe eram feitas. Era também muito magra e seus olhos pareciam ocupar metade do seu rosto. A mãe não parecia ficar constrangida com a falta de resposta da filha e falava logo em seguida: “Ela é quietinha assim mesmo, não gosta de falar”.

    Com o passar do tempo, a mãe foi se misturando na comunidade. Não demorou para que os vizinhos começassem a comentar uns com os outros sobre o peculiar hábito alimentar da criança. A menina parecia comer tudo que lhe davam e às vezes o que não lhe davam. Quanto mais o tempo passava, mais a vizinhança falava sobre como a menina não tinha um limite no estômago. Mesmo comendo tanto, aquela menina conservava uma magreza excessiva. Ao contrário da filha, a mãe começou a engordar, ainda que, a princípio, ninguém tenha notado o seu ganho de peso.

    As vizinhas tentavam dar um toque sutil na mãe falando coisas como: ‘eu vou em uma academia muito boa, por que não vamos juntas?’ ou ‘minha filha está fazendo uma dieta maravilhosa, já perdeu muito peso’. A mãe começou a se sentir mal por isso, porque ela sabia que comia cada vez menos e se exercitava cada vez mais. Os toques sutis continuaram, irritando profundamente a mãe, pois ela sabia o esforço que fazia para não continuar engordando.

   Certo dia, a mãe não conseguiu mais sair de casa e resolveu que começaria a trabalhar de lá, pelo computador. Fazia as compras pelo telefone e não saía mais. A criança continuava indo à escola e sua aparência esquelética fez com que a diretora resolvesse visitar a mãe da menina.

    Quando viu a mãe, a diretora ficou indignada com seu estado, uma vez que a menina continuava esquelética. Fez um discurso que levou a pobre mãe a chorar até a noite.

   Os vizinhos percebiam que as compras chegavam em uma quantidade cada vez maior. Como a mãe engordava a uma taxa assustadora, começaram a achar que a comida era para a mãe. Não tinham como saber que apenas uma maçã era para a mãe e o resto para a menina.

   Sempre que a menina ia ou voltava da escola lhe questionavam a respeito da sua mãe. Ela apenas os olhava com seus olhos gigantes e voltava para seu caminho.

   Um dia os vizinhos perceberam que a menina não foi para a escola. No fim da tarde, vendo que da casa da mãe e da filha não saia nenhum barulho, uma vizinha mais enxerida resolveu bater à porta. Bateu e bateu, nada aconteceu. Os outros vizinhos olhavam assustados sem saber o que fazer. Um deles sugeriu que chamassem a polícia. Foi feita uma votação e as pessoas que queriam chamar a polícia eram a maioria.

     Quando a policia chegou, a vizinha que bateu primeiro à porta se adiantou e inteirou os policias da situação. Eles logo arrombaram a porta da sala. Quando chegaram ao quarto da mãe, se depararam com um grande cadáver na cama. Os policias e os vizinhos foram procurar a criança e encontraram a menina, agora com aparência saudável, sentada na cama. Perguntaram à menina se ela estava bem e ela falou pela primeira vez diante dos vizinhos e policiais:

   - Tô sem fome.

Monday, August 09, 2010

Memórias I

Quando se é criança, normalmente, as escolhas para as profissões são muito parecidas. Veterinária, astronauta, bombeiro, bailarina e por ai vai. Já ouvi criança falando que queria ser camioneiro. As pessoas faziam careta ao ouvir isso. Minha prima pequena também me falou outro dia que queria ser presidente da república e dona de casa, acho que ela quer seguir aquele ditado chinês: "Antes de começar a reformar o mundo, dá três voltas em torno de tua própria casa" .
Como toda criança, quando me perguntavam, eu também já tinha a resposta na ponta da língua o que queria ser quando crescesse. E como toda criança mudei um tempo depois de opinião e depois de um tempo mudei de novo de opinião, assim por diante. Mas a primeira profissão de todas que eu pensei em ter era ser escritora. Depois astronauta. Depois arqueóloga. Finalmente terminei estudando ciência da computação.

Monday, August 02, 2010

O jogo

Doze de setembro de 2007. Partida entre Flamengo e Cruzeiro válida pelo campeonato brasileiro. Apenas 11640 pagantes no Maracanã. Perfeito para dois amigos que se dirigiam ao estádio. Um era botafoguense e outro vascaíno.
Sentaram na arquibancada mais vazia. O botafoguense virou para o vascaíno e disse:
- Preparado para perder?
- É mais fácil o Vasco perder para o Botafogo do que eu perder para você no baralho.
Sentaram entre as cadeiras brancas e viram boa parte do jogo. Depois do segundo gol do Flamengo, aos 27 minutos do primeiro, marcado por Léo Moura, os dois amigos
começaram a jogar cartas. Alguns torcedores turistas, sentaram logo acima deles, observando com curiosidade duas pessoas que jogavam baralho no meio de um jogo de futebol.
Os amigos botafoguense e vascaíno conversavam enquanto jogavam cartas.
- Minha filha vai casar no fim de semana.
- Maravilha, parabéns. Meu filho está se separando da esposa.
- Parabéns para ele também - disse o botafoguense, que logo riu da sua piada.
- Que isso, cara. Quando um casamento desmancha, alguém sempre sai muito magoado.
- Vou te contar um segredo, meu amigo vascaíno. A vida é cheia de problemas e complicada. Ele só se livrou de um problema.
- Dúvido que você fale isso com sua esposa.
- Claro que não falo. Veja bem, todos os problemas da nossa vida começam no vestibular, decidir qual curso fazer é um tormento. Achamos que entrando para faculdade vai ser liberdade. Garotas sem frescura e coisa tal. Tudo ilusão, as garotas continuam difíceis e tem a pressão de se formar. Pensamos então: quando eu arranjar um emprego e tiver dinheiro tudo melhora. Mais outra ilusão. Arranjamos a porcaria do trabalho e lidamos com pessoas problemáticas e temos que aturar isso, porque temos que manter nossa rede de relacionamentos. Ansiamos o fim de semana e férias mais que tudo. Sempre estamos precisando de férias. Daí você pensa: quando eu casar vai ser melhor, vou ter uma pessoa para dividir meus problemas e tudo vai ser mais fácil. Outra mentira. Quando você casa a esposa e filhos criam problemas para a única época que você tinha de descanso, suas férias e fins de semanas. Enfrentar shopping lotado, levar crianças para intermináveis festas de aniversário e por ai vai.
- Eu discordo. São problemas, mas são problemas bons. Além do que e se você não casasse? Como seria sua vida social? Você viveria sozinho.
Os dois deram uma pausa para embaralhar as cartas para uma nova partida.
- Você falando isso vascaíno? Você está jogando baralho em um estádio de futebol para sua mulher lhe deixar em paz. Se você fosse jogar no bar, ia dormir no sofá.
- É por isso mesmo que estou aqui. Compensa ter trabalho e chegar em casa com uma mulher cheirosa e bem disposta me recebendo.
- É bom mesmo, porém, sem dúvida, o casamento é bom para uma coisa; ter sempre alguém para te levar ao hospital.
Os dois amigos riram e, no mesmo instantem Obina marcou o último gol do Flamengo.