Monday, October 04, 2010

Medo da Morte

Eu tinha medo da morte. Não, eu não tinha medo de morrer. Eu tinha medo da morte das outras pessoas. Quando eu tinha seis anos, meu pai estava na cama, morrendo. Gritava de dor. Minha mãe veio me pegar no meu quarto para que eu pudesse me despedir do meu pai. Eu cheguei e ele gemia alto de dor. Algumas horas depois, o padre chegou para lhe dar a extrema unção. Durante todo tempo, observei meu pai e nada disse. Além da minha mãe e eu, outros dois parentes estavam em volta da cama. Finalmente, quando meu pai deu o suspiro final, seus olhos ficaram abertos. Criança, eu achava que ele ainda estava vivo, porém todo mundo começou a chorar alto. Os olhos do meu pai estavam vidrados no teto. Um amigo da família entrou no quarto e fechou os olhos do meu pai com a mão. O velório do papai não foi muito melhor. Naquele tempo o velório era feito em casa. Minhas tias acenderam diversas velas. O cheiro da cera queimando ficou para sempre na minha cabeça. E, desde então, o cheiro da sala de casa é das velas. Enquanto isso, para que eu pudesse velar papai, minhas tias me mantinham próximo ao caixão dele. Naquele momento, parecia que os olhos do meu pai estavam vidrados em mim.

Anos depois desse evento, quando eu ainda era jovem, minha mãe morreu em um atropelamento em frente à nossa casa. Por um descuido da policia, ninguém tinha coberto o corpo quando cheguei. A morte de novo me assombrava, dessa vez em forma de sangue e ossos fraturados. O cheiro da morte me incomodava de novo com as velas queimando em casa. Minhas tias novamente velando ao meu lado.

Cerca de dez anos depois da morte da minha mãe, eu me casei e tive três filhos. A morte sempre me espreitando de longe. Quando algum dos meus filhos caía, eu me escondia em algum lugar para evitar encontrar olhos vidrados novamente. Isso fez com que minha esposa brigasse muito comigo, achando que eu era um mau pai por não ajudar meus filhos. Mas o medo era tanto que um dia eu prometi à minha esposa que morreria antes dela, para não precisar encontrar a morte e suas velas de novo. Eu demorei a morrer, mas cumpri a promessa que fiz a ela.

3 Comments:

Blogger Wallace & Sabrina said...

Evelin, eu sabia do seu blog, mas nunca tinha lido. Hoje li um dos seus contos. Que ótima qualidade!

Caramba, parabéns!

9:18 PM  
Blogger Unknown said...

Fiquei com medo da história...é sério!
Para suscitar esse sentimento , isso só denota quanta qualidade possui suas histórias.
Eu fiquei até com vontade de criar um blog para contar minha histórias e poesias. Nâo sei se você sabe , mas quando eu era adolescente eu escrevia muito poemas nos meus diários ( que vocês roubavam para ler...rs)

bjs

12:08 PM  
Blogger evelin said...

Obrigada gente, mas eu tenho que melhorar muito ainda :)

Evelin

12:15 PM  

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