A cartomante
Este conto foi reescrito a partir do conto "A cartomante" de Machado de Assis, mas sob o ponto de vista da personagem Rita
A primeira vez que Rita o viu, na capital, não percebeu nada significante. Se o encontrasse de novo após anos certamente teria esquecido até o nome. O rosto era jovem, os gestos e palavras denunciavam certa imaturidade. O próprio marido de Rita, Vilela, era jovem, porém já juiz, envergava atitudes de responsabilidade que o poder da profissão pedia.
Quando ainda morava na província era comum Rita andar empinada ao lado do marido. Sentia orgulho e satisfação de ser a esposa de juiz. Achava que o marido lidava com muitas coisas complicadas e assim que ele se punha a falar sobre o trabalho, ela prontamente replicava que lhe parecia tudo muito complicado e que ela deveria saber sobre as estampas da moda, isso sim lhe parecia interessante.
À época que mudaram para a capital, o marido ainda era importante, mas tantas andavam empinadas que Rita sentia sua importância não ser a mesma. O casal visitava novos amigos na capital e sempre havia alguém com uma cortina mais bonita ou uma roupa mais moderna. A capital abateu o espírito de Rita.
Tempos depois seu ânimo foi mudado. O que poderia ser a não ser o amor. Camilo, amigo do marido que não possuía nada de significante, a não ser imaturidade, chegou um dia a casa de Rita e Vilela molhado pela chuva grossa que caia. Enquanto Vilela não chegava em casa, Rita pos-se a observar Camilo. Os cabelos escuros e lisos, molhados, grudavam-se a nuca e a testa do rapaz. A barba começava a espetar e se deixasse crescer, certamente seria mais grossa que a do marido, Rita pensou.
Aos olhos de Rita, Camilo parecia um menino que deveria cuidar e instântaneamente se encheu de amores. Falou que poderia se enxugar em um quarto e providenciou-lhe roupas limpas e secas do marido.
A oportunidade de alcançar seu objeto de paixão aconteceu meses depois, através de um infortúnio. A morte da mãe de Camilo. Enquanto o marido ajudava nas questões legais e financeiras, Rita prontamente cuidava do seu menino. Alimentou seu corpo e sua alma. Rita podia ser fútil, mas nas questões do amor era esperta. Quando percebeu que Camilo a olhou como mulher, decidiu que teria ele de qualquer maneira.
As escolhas dos perfumes eram propositais e certeiras. As roupas eram as mais macias aos toques e ao mesmo tempo misteriosas, deixando ver as partes do corpo que eram estratégicas. Sim, Rita tinha nascido para ser sedutora. Ela bem sabia que poderia roubar homens de mulheres mais bonitas que ela, apenas observando o homem e utilizando seu próprio cheiro de mulher.
A sedução foi rápida e certeira. As tardes de paixão enquanto o marido estava fora eram seu alento na capital. Camilo, no entanto, transparecia culpa após os encontros. A culpa foi aumentando tanto que Camilo parou de frequentar a casa de Vilela. Rita, em desespero, foi a uma cartomante, indicação de uma amiga. Sem sua paixão sabia que sucumbiria naquele lugar a que não pertencia.
A casa da cartomante era escura. Mesmo sendo dia, Rita esbarrou em pelo menos dois móveis. Assim que sentou-se em frente a mulher morena, começou a examinar o lugar. Percebeu que as cortinas não combinavam com o tapete, um parecia ser de origem árabe e outro indiano.
Após alguns segundos de silêncio a cartomante afirmou a Rita que ela estava apaixonada. Empolgada, ela prontamente confirmou e replicou que gostaria de saber se era correspondida. A cartomante retirou um baralho de dentro da roupa, exatamente onde deveria ser o sutiã. As cartas estavam amareladas e amassadas nas pontas. Assim que terminou de embaralhar as cartas, a cartomante pediu para Rita dividir a pilha de cartas ao meio.
Rita, que ainda não retirou as luvas, começou a suar de nervoso. A cartomante franziu as sobrancelhas e ficou em silêncio por alguns segundos, mas logo disse a Rita que não precisava se preocupar, o seu objeto de paixão a amava mais do que tudo. Neste momento Rita voltou a respirar. Voltaria a ver Camilo. Agora sabia disso.
O que Rita não sabia era algo que os traidores pouco percebem, perdidos na força dos casos amorosos: a mudança de comportamento é a maior prova da traição. As pistas físicas às vezes pouco importam, mas os esquecimentos, a falta de toque e o olhar, mudam sempre. Portanto ela permanecia tranquila com relação a Vilela.
Um dia quando o marido saiu para o trabalho, Rita deitou no sofá. Fechou os olhos, pensando em Camilo. O sorriso que possuía era de pura felicidade e estava surda aos passos de uma pessoa que se aproximava. Não viu a sua morte, executada rápida por uma arma, e morreu feliz em seus pensamentos nos braços de Camilo.