Monday, September 13, 2010

Estranhos

Central do Brasil, Rio de Janeiro. Linha do trem para Saracuruna, saindo às dezoito horas e trinta minutos. Uma enxurrada de gente desaba sobre os vagões. Em um deles, Simão entra logo depois de Pedro. Este consegue um assento próximo a porta, aquele não teve a mesma sorte.

Simão desloca uma alça da mochila de um ombro para fora e passa a apoiá-la apenas no outro ombro. Retira um livro de dentro da cansada mochila. Pedro olha para cima e lê a capa; Patricia Melo, O Matador. Também observa que o livro que o homem começa a ler à sua frente tem a marca de um sapato na capa. É como se alguém houvesse pisado em cima do livro. Em seguida, observa que a pele de Simão é de um negro gasto e que sua bermuda está manchada de tinta branca. A mão que segura o livro mostra dedos cheios de calos. A outra mão, que segura no suporte do trem, é gasta da mesma forma. O rapaz se sente incomodado e olha para as próprias mãos.

Um vendedor de pentes passa e esbarra em Simão para oferecer o produto a Pedro, que nega. Tinha nojo de alguns produtos vendidos no trem. Pedro volta a olhar Simão e imagina que o cara deve ter até uma vida melhor que a dele, afinal, para ler um livro em pé dentro de um trem às 18:30, a pessoa deve estar muito tranquila em relação à vida. Ele não conseguia se desligar assim. Estava pensando na briga dos pais na noite anterior. Fechou os olhos e mergulhou em seus problemas.

Simão ficou aliviado quando Pedro fechou os olhos. Estava incomodado com o jeito que o rapaz reparava em suas roupas. Tinha certeza que o menino metido à besta achou que ele era mais um pobre naquele trem. Na certa, também pensou que estava apenas fingindo ler o livro. No entanto, Simão estava lendo para valer aquele livro. Tinha encontrado-o na semana anterior: um senhor dormira em um banco do trem com o pé bem em cima do livro. Simão retirou “O Matador” debaixo do pé daquele homem e perguntou para o senhor e para as pessoas em volta se o livro pertencia a alguém. Como todos negaram a posse, Simão tomou para si o objeto. Simão não entendia tudo o que lia, mas achou interessante a história de um cara que se torna matador de aluguel por acaso. O menino metido à besta acordou. Simão imaginou que ele tinha uma vida tranquila, pois dormia em um trem como se nada estivesse acontecendo.

Simão desceu na estação de Piedade. Na pressa, deixou cair o livro. Pedro recolheu o livro do chão e até tentou entregá-lo, mas a multidão levou Simão junto. Os dois estranhos não voltariam a se encontrar de novo. Pedro começou a ler “O Matador” e só conseguia lê-lo no trem, uma vez que seus pais continuavam a gritar muito em casa.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home