Monday, September 20, 2010

Era uma vez um menino, seu pai e sua professora

Meu pai foi preso faz algum tempo. Eu estava no quintal e ouvi gritos dentro da minha casa. Fui correndo ver. Quando cheguei na porta da cozinha, meu pai estava no chão e um homem entortava seus braços para trás. Enquanto isso vários homens bagunçavam a cozinha. Um dos homens do grupo me viu e perguntou se eu era filho do homem ao chão. Eu emudeci, porque estava com medo. Então resolvi fugir. Não consegui correr para muito longe por que o homem que tinha falado comigo me alcançou logo.

Pelo braço fui levado até um carro da polícia parado em frente da minha casa. Meu pai foi em outro carro logo a frente do meu. Na delegacia não ficamos juntos. Fui levado até uma sala com apenas um banco de madeira, uma pia velha, armários e uma geladeira marrom. Enquanto eu explorava a geladeira chegou uma moça de calça jeans e óculos de aro grosso.

A moça de calça jeans tinha voz mansa. Enquanto ela me explicava que meu pai guardava em casa alguns produtos que não eram permitidos, eu acabei me acalmando. Ela também me perguntou sobre minha mãe. Respondi, olhando para os pés da moça, que ela tinha morrido.

- Você tem algum parente que possa ficar com você? Uma tia ou avó?

Eu tinha muitos parentes. Todos eles moravam perto da minha casa, mas eu não queria ficar com nenhum deles. Queria morar sozinho. Não teria ninguém para me encher o saco. Talvez eu pudesse morar com a professora que ensina a escrever. Ela tinha um cheiro bom e a mesma voz mansa da moça de calça jeans. Diante do meu silêncio ela repetiu a pergunta.

- Então, você tem algum parente que possa ficar com você?

Respondi que não. Acho que não acreditaram em mim, porque a tia Conceição foi me buscar algumas horas depois. A tia Conceição não tinha filhos e nem marido. Para mim ela não tinha filhos e nem marido porque ninguém gostava dela, principalmente eu.

Na casa da tia Conceição as coisas pioraram, pelo menos para mim. Eu não podia sair a hora que eu quisesse. Com o papai era mais fácil. Como ele sempre estava no bar, ele não via quando eu fazia minhas viagens com meus amigos. Um dia estávamos na praia e no outro podíamos tomar conta de carros no centro. Quando eu chegava em casa tarde da noite, papai já estava dormindo.

Deixei de ir na casa da professora também, porque minha tia mandava eu limpar a casa toda. Se ela chegasse em casa e houvesse um só tiquinho de poeira ela tirava um chicote da bolsa que voava na minha direção. Era um chicote esperto, pois sempre voava nos lugares que mais doíam no meu corpo.

Um mês depois da prisão do meu pai a professora que me ensinava a ler veio até a casa da tia Conceição. Como ela não estava em casa, fiquei com medo de abrir. Fiquei bem encolhido e quieto debaixo da mesa para a professora não me ver. Ela chamou por um bom tempo. Continuei debaixo da mesa mesmo depois da professora parar de chamar. Só sai quando vi a porta se abrindo. Era tia Conceição chegando do trabalho.

A professora voltou muitas vezes depois. Até que finalmente encontrou minha tia em casa. Ela chegou com a voz mansa de sempre. Eu espiava do quarto, atrás da cortina que servia de porta.

- Eu sou a professora do Joelson. Faz muito tempo que ele não aparece em minhas aulas. Ele já perdeu muita coisa. Então vim aqui deixar a lição para ele.

A voz mansa da professora não acalmou minha tia. Ela falou secamente que eu já ia no colégio, que eu não precisava mais de estudo. Minha tia, então, fechou a porta.

Minha professora não desistiu. Ela voltou no dia seguinte. Desta vez não me escondi e atendi a porta na primeira batida. A primeira coisa que ela fez foi me abraçar e a segunda foi dizer que sentia minha falta. Deixei a professora entrar e conversamos sobre as coisas que eu fazia, conversamos sobre os outros alunos e conversamos sobre meu pai. Antes de ir embora ela me perguntou:

- Você visitou seu pai na prisão?

Eu respondi que não e que tia Conceição sempre falava que era longe demais para me levar. A professora combinou comigo um dia para irmos até a prisão e visitar meu pai.

No dia que fui visitar meu pai, tomei um banho caprichado e até lavei a cabeça. A professora me pegou em casa e fomos para o ponto de ônibus. Acho que o ônibus demorou um tempão para chegar até a prisão, mas eu nem percebi. Colocava minha cabeça para fora da janela para sentir o vento e a professora sempre me puxava de volta para o banco. Quando cheguei na prisão havia uma fila enorme para entrar. A maioria das pessoas traziam sacolas junto, outras também tinham colchões e cadeiras. A professora diz que muita gente dorme na fila para entrar mais cedo e ter um tempo maior com quem está visitando.

Eu achava que a prisão não era tão ruim assim. Depois que visitei meu pai mudei de ideia. Muitos homens que estavam lá tinham um olhar assustador e os que não tinham este olhar, tinham um olhar assustado. O meu pai estava com o olhar assustado. Eu não tinha muito o que falar e nem meu pai. Eu não conversava muito com meu pai em casa e na prisão eu tinha muito menos para falar. Eu fui embora com a impressão que meu pai estava sofrendo ali. Eu nunca tinha visto meu pai sofrer. Ele sempre estava no bar com os amigos, rindo muito e com o copo de cerveja do lado.

Meu pai pegou uma bituca de cigarro em um canto do pátio e eu olhava para todo mundo ali, mas pensava só no meu pai. Aquela visita na prisão me deixou com medo. Eu tinha medo de muitas coisas: chicote voador, revólver e até cachorro. Porém aquela imagem do meu pai na prisão me assustou tanto que prometi a mim mesmo que evitaria aquele lugar a todo custo.

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