Wednesday, November 09, 2016

Perda

Não pensar,
É não doer.
Não doer,
É cegueira.
Deixa-me neste canto escuro,
Mas só até o fim de tudo.

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Sunday, January 11, 2015

Universos (Insegurança - parte 2)

Aquela minha amiga.  A insegura de antes, lembra? Recordei dela hoje enquanto estava com minha esposa. Relacionamentos não próximos podem ajudar a nos enxergar as pessoas próximas com outra ótica. O exercício de enxergar as pessoas de forma diferente é exercido por mim através dos desequilíbrios diários de minha mulher. Embora não pratique nenhuma loucura na definição clínica da palavra, minha companheira tende a exageros dramáticos em sua rotina.
Voltando a minha amiga, aquela fascinante de antes. Um de seus poucos casos foi com um rapaz das artes. Leitor assíduo e em certo grau desatento ao seu redor, o tal rapaz leitor tinha um hábito peculiar: algumas vezes no meio de algum debate animado, retirava um livro e começava a ler, como se nada de interessante houvesse acabado de ser dito. Eu achava graça deste mundo que o rapaz  leitor vivia. O problema é que só eu achava graça. Embora minha amiga fosse leitora fominha de vários tipos de livros, parecia óbvia sua irritação a cada interrupção de um debate. Um dia minha amiga, não mais tolerante com tal desatenção, proclamou em alta voz: “Não aguento mais! Terminamos por aqui!”, ela foi embora e a leitura do rapaz continuou solenemente.

Na semana seguinte minha amiga me relatou que precisou terminar com o rapaz leitor uma segunda vez. E o que me fez lembrar da história? O exagero dramático da minha amiga. Entretanto a memória deste acontecimento me fez refletir sobre algum universo que cada um construímos e que muitas vezes é impossível alguém penetrar. O drama que minha esposa faz é parte do universo dela. Eu só fico a observar como um espectador de um hermético filme europeu.

Tuesday, December 02, 2014

Insegurança



Uma vez encontrei uma moça que chamou minha atenção. Era uma moça bonita, mas que não era de uma beleza de chamar a atenção. O que realmente chamava atenção na moça era sua eloquência. Para conhecê-la de verdade, as pessoas deveriam conversar com ela por muito tempo e bem atentamente. Por bem atentamente, eu digo que a pessoa devia olhá-la de perto sem as lentes que as pessoas costumam ter e que apenas refletem a si mesmas. Assim que as pessoas conseguissem tirar estas lentes que refletem apenas a si mesmas, viam uma pessoa especial e única. Como muitas outras pessoas são, contudo não são percebidas.
Conversava muito com esta moça. Nossa amizade se baseava somente em conversas provocantes. Nunca saíamos para cinema ou outros tipos de diversões mundanas. Apenas tomávamos um café e arrazoávamos sobre assuntos diversos. Desde atitudes de celebridades até a filosofia de Michael Sandel.
Apesar de eu ser homem e ela mulher. A nossa relação era puramente de amizade e tenho certeza que nunca ultrapassou, nem em minha mente e nem na dela, este tipo de limite. Claro, que devido a eloquência da jovem moça, muitas pessoas se cativavam com ela e ultrapassavam este limite. Pobre destas pessoas, pois a moça tinha pouco interesse neste tipo de questão.

Perdi contato com esta moça. No entanto, eu sabia que esta moça era a mais insegura das pessoas. Algo que ela nem tinha noção naquela época. Até hoje não sei se fiz certo em não fazer esta observação a ela. Egoisticamente, queria também me aproveitar de como era a mente daquela moça naquele momento. Não queria que ela mudasse. O meu próprio interesse mudou um relacionamento que poderia ter outro rumo.

Tuesday, December 10, 2013

Conversas que tive com Nelson


A ficção deixou de dominar minhas leituras. Tenho optado por um estilo mais “sério”. Dos quatro livros que estou lendo três são de não ficção (não me julguem porque já me julgo bastante por ler tantos livros ao mesmo tempo). Segue a lista dos livros que estou lendo:
·      Ortodoxia de G. K. Chersterton
·      Conversas que tive comigo de Nelson Mandela (Já estava lendo antes do falecimento dele)
·      Juliet Naked de Nick Hornby (única ficção da lista)
·      Rápido e Devagar: duas formas de pensar de Daniel Kanehman
Diante desta situação a transição de contos de ficção para contos realistas, como este, é natural. Aliás, gostaria de passar algumas impressões que tenho de um livro que estou lendo: Conversas que tive comigo.
Desejava este livro há algum tempo. Desde  o filme Invictus fiquei impressionada com a personalidade de Mandela e me dei conta que pouco sabia sobre ele. Não apenas eu, mas a maioria das pessoas sabe pouco sobre ele.
Lendo as reportagens sobre Madiba encontrei muito o adjetivo “pacifista”. Contudo lendo a biografia de Madiba existem diversas referências a luta armada apoiada pelo partido de Mandela. Inclusive Mandela teve treinamento com armas a fim de que pudesse lutar contra o governo opressor sul-africano. É claro que isso não diminui a grandiosidade da personalidade de Mandela.
O ponto central é que a falta de conhecimento das pessoas é recorrente em tudo. Baseados em estereótipos e na falta de vontade de conhecer estabelecem aquela imagem e ponto final. Quantas vezes eu vejo pessoas falando dos cristão como pessoas ignorantes e como podem acreditar em um Deus mal que pune as pessoas? Sim. Considerando que elas ouviram isso de outros ateus ou de outras pessoas elas repassam este conceito. Assim como o conceito de que Mandela lutou pacificamente. Pois bem, Mandela estava preso e antes disso ele empunhou armas para lutar pelo seu ideal.
Julgar e se basear no me-disseram é muito fácil. Talvez por isso que as pessoas se valem destes recursos. Ler um livro que é contrário a sua opinião leva tempo e dá trabalho. Estar aberto realmente a ouvir a opinião de uma pessoa implica que possamos estar errados. Estar certo é muito bom e estar errado nos machuca e por muitas vezes humilha. Estamos deixando que algo tão doído como a humilhação também nos impeça de ouvir o próximo? Ou estamos nos viciando em estar certos?

Tuesday, January 03, 2012

Clichês

Todos os clichês do mundo descreviam tanto o filme quanto a mulher. Não é que eu não goste de clichês, muito pelo contrário. Clichês nos fazem sentir confortáveis e seguros de que nada pode dar errado.

- O policial que tem a esposa e o filho assassinados e busca vingança, quer mais tensão e emoção que isso? A máfia russa será morta ou denunciada.
- Discordo. Eu me sinto feliz com coisas diferentes. Um filme do leste europeu que diz coisas que nunca vimos aqui no Brasil.

Ela não percebe, mas isso também é um clichê. As pessoas querem sentir que são diferentes e uma das formas de fazer isso é assistindo a filmes em que uma vaca bósnia aparece pastando por uma hora.

- Sim, mas sempre podemos aprender coisas diferentes vindas de filmes recheados de clichês. Principalmente sobre a cultura russa.
- E você sabe alguma coisa sobre a Sérvia, por exemplo? A mulher parecia irritada e disse a frase com a pretensão precisa que que só os intelectuais têm, o que a fez parecer muito elegante de certa forma.
- Bem, eu sei que a Rússia fornece gás para a Europa inteira. E a Bósnia? Portanto, considero a Rússia um país mais importante do que a Bósnia para aprender sobre a cultura.

Ela deu uma risadinha, transparecendo a mesma pretensão intelectual, mas desta vez eu sabia que o jogo estava a meu favor.

- A questão é que um filme Bósnio pode mostrar coisas da natureza humana que você não viu em Duro de Matar.
- Agora eu que devo discordar. Quer coisa mais intrínseca ao ser humano que a vingança? Dante Alighieri disse no "Purgatório": "Tiveste sede de sangue, e eu de sangue te encho". Miguel de Cervantes também disse que "Não existe vingança justa", por isso o mocinho não mata o vilão na maioria dos filmes, deixa a justiça prender os bandidos. Esses roteiristas de filme de ação são todos uns intelectuais, mas gostam de colocar de uma forma divertida a cultura que eles têm. E então, vamos provar o meu ponto de vista e assistir ao filme que eu sugeri?
- Huuumm. Seu ponto de vista é bem interessante, mas vamos assistir ao filme francês mesmo.

Eu não assistiria ao filme que eu queria aquela noite, o que se encaixa em mais um clichê. Não que eu me importe, mas eu a fiz rir e isso me fará ganhar a noite mais tarde. Era esse o clichê que eu esperava que acontecesse.

Wednesday, December 07, 2011

Doença

Toda manhã furo no dedo. 170. Meta de amanhã:160, depois de
amanhã:150, e assim por diante. Sempre imaginei a morte
como algo rápido; mesmo para as pessoas doentes que sabem que vão morrer em algum momento a morte as atingiria de cheio e ligeiro.

Mudei de ideia, a morte é algo lento. Todos os dias furando o
meu dedo a sensação é de morte lenta e dolorosa. Meu filho de três anos
me pergunta todos os dias se dói. "Claro que não, é uma picadinha de
mosquito", uma desculpa clássica para esconder o meu trágico fim da
criança amnésica.

Quem sabe amanhã eu faça o teste no trabalho e a mulher gorda do meu
lado perceba que o fim dela será mais rápido que o meu. Ou
eu me jogue em frente ao ônibus da linha 410 e apresse o meu fim
para algo menos trágico que furar meu dedo todos os dias. Ou
o que é mais provável e similar às outras alternativas: eu chegue a 100 e coma panetone seco no natal.

Tuesday, January 18, 2011

O monstro de papel

Dormir nunca foi problema, mas naquela noite os problemas estavam lhe atormentando.

O quarto nunca era totalmente escuro, culpa da cortina transparente. Virou para o outro lado de forma tão agressiva que um pedaço do lençol saiu de debaixo do colchão, desarrumando a cama já bagunçada.

Quando já estava naquele sono, que não é bem um sono, apenas um prelúdio da primeira fase do sono, ouviu um ruído vindo do chão ao lado. O ruído era semelhante a um papel sendo amassado. Devia ser o ventilador movimentando um papel qualquer que deixara no chão, sim, com certeza era isso.

Virou para o outro lado retirando a outra ponta do lençol de debaixo do colchão. O barulho voltou e ele resolveu olhar, agora que já estava virado para o lado do chão. Era uma bolinha de papel; certamente o ventilador a movimentou e aquela era a causa do barulho. Fechou os olhos tentando voltar ao seu prelúdio, porém o ruído de papel amassado voltou. Sem pensar, deu uma espiada rápida ao lado e viu que a bola de papel havia inflado. "O ventilador pode fazer isso?", se questionou logo em seguida.

Fechou os olhos com todas as suas forças. O ruído agora era constante. Apavorado, pegou o travesseiro ao lado e com os olhos fechados golpeou todos os lugares que encontrou ao seu redor. Silêncio. Ao abrir lentamente os olhos, viu o papel amassado no chão ao lado.

Tornou a fechar os olhos. O ruído voltou, mais incessante e furioso. Pensou que deveria parar de agir como louco e pensar de forma racional. Abriu os olhos, pegou o papel e o levou até a cozinha. Ligou o fogo em uma das bocas e aproximou o papel, quando as chamas começaram, foi até a pia da cozinha. Segurou o papel enquanto pôde, até sobrar uma ponta entre os dedos, que largou na pia.

Voltou para a cama. Arrumou as pontas do lençol que haviam se desprendido e deitou tranquilo. Agora poderia dormir.

p.s.: Depois que eu vi que é muito parecido com o conto O cobertor do Bukowski. Espero
que minha "homenagem" tenha ficado razoável.